SEMEANDO O VENTO, BEBENDO A TEMPESTADE:

A POLÍTICA COMO ATO DE LIBERDADE

        A cidade dorme. Os prédios respiram o monóxido do conformismo, as ruas são serpentinas de indiferença, e o chão pulsa com o peso de passos mecânicos — indo, vindo, sem saber exatamente por quê. Mas há os que se recusam a ser mera engrenagem. Há os que semeiam o vento. 

Semeamos o vento cada vez que contestamos a ordem estabelecida, quando desafiamos a lógica dos que dizem que “sempre foi assim.” Jogamos partículas de questionamento no solo árido da acomodação, na esperança de que alguma rajada carregue nossas ideias para longe, para alto, para dentro. 

Mas semear o vento tem consequências. Ele se revolta, cresce, fermenta. Transforma-se em tempestade. Quem ousa plantar o caos precisa ter a coragem de bebê-lo. Enfrentar o dilúvio de olhares desconfiados, as enxurradas de discursos vazios, os raios de indignação dos que se sentem ameaçados pela mudança. 

A política — a verdadeira política, aquela que não se vende em palanques e não se prende em gabinetes — é um ato de rebeldia. Ela não pede licença, não se curva ao medo, não silencia diante da injustiça. Ela se faz na esquina, no grito abafado, no cartaz improvisado, no voto consciente, no gesto pequeno que ecoa. 

Seja na urna ou na rua, o cidadão que encara sua existência como ferramenta de transformação escolhe o desconforto. Ele entende que a calmaria só serve aos que já têm tudo e que tempestades não são tragédias: são recomeços. 

Que sigamos semeando o vento. Que nunca nos falte sede para beber a tempestade.  



A VERDADE PERANTE A ARTIFICIALIDADE DO TEMPO PRESENTE

 

A verdade sempre foi uma busca incessante do ser humano. No entanto, neste tempo presente, marcado pela artificialidade e pela constante construção de ilusões, a verdade parece ter perdido seu significado original. Diógenes de Sinope, o filósofo cínico que caminhava pelas ruas com uma lanterna em plena luz do dia à procura de um “homem honesto” (Diógenes Laércio, Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres), denunciava a falsidade das convenções sociais e as máscaras que encobrem a essência verdadeira dos indivíduos. Ele provocava e desafiava os padrões ao dizer que “os homens complicam as coisas ao invés de simplificá-las”. Sua crítica, portanto, direciona-se ao afastamento do ser humano de sua autenticidade devido às normas impostas pela sociedade.

Na atualidade, a crítica de Diógenes encontra eco. Como bem observou Zygmunt Bauman, sociólogo contemporâneo, vivemos em uma modernidade líquida, onde as relações e identidades se tornam fluidas e descartáveis, frequentemente moldadas para atender expectativas externas. Nossas “lanternas modernas” são as telas dos dispositivos eletrônicos, usadas para projetar vidas idealizadas. A artificialidade das redes sociais reflete o que Diógenes chamaria de afastamento da verdade em prol da aparência, um fenômeno que também foi discutido por Guy Debord em A Sociedade do Espetáculo, onde ele afirma que “tudo o que era diretamente vivido tornou-se uma representação”.

Além disso, a relação humana com o tempo é distorcida pela artificialidade moderna. Em um mundo que prioriza a velocidade, raramente vivemos no presente. Como Diógenes talvez nos alertaria, o apego ao tempo futuro ou passado nega a vivência autêntica do momento presente. Isso ressoa com as reflexões de Martin Heidegger sobre a temporalidade no ser humano: a insistência em viver no futuro (o que "deveríamos ser") nos afasta do "ser" aqui e agora.

O maior ensinamento de Diógenes pode ser sua coragem em buscar a verdade além da superficialidade. Ele vivia de forma radicalmente simples, confrontando as normas e convidando todos ao seu redor a refletir sobre o que realmente importa. A verdade, no contexto atual, pode significar o abandono das construções artificiais e a reconexão com valores que transcendem a superficialidade. Como Michel Foucault descreveu, é preciso "cuidar de si", ou seja, cultivar uma relação íntima e ética com nossa própria existência.

Assim, a pergunta persiste: estamos prontos, como Diógenes, para abandonar nossas “lanternas” e buscar a verdade em sua forma mais pura? Talvez ela não esteja nas convenções artificiais, mas na capacidade de abraçarmos o simples, o presente e o humano em nós mesmos.










José Igor

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