sábado, 24 de maio de 2014
Imagem de Thiago Santos |
Por César de Oliveira*
Depois de ter lançado dois livros de contos (Da insensibilidade e seus afluentes (2010) e O livro da perda (2011), ambos pela editora carioca Multifoco), o escritor lagartense Fábio de Oliveira publica seu primeiro livro de poemas. O lançamento ocorreu no último sábado, em São Paulo, na sede da editora Intermeios, pela qual o escritor está lançando a obra.
O livro já chama a atenção pelo título: “,”, cuja radicalidade se encontra também nos poemas que o compõem. São textos que versam sobre temas recorrentes na literatura (memórias, desejo, morte são alguns deles), através de um sutil fio condutor: a existência. Não a existência como simples sinônimo de vida, mas sim tomada em seu grau mais profundo, o que, para alguns, pode soar como certo pessimismo ranzinza, mas, na verdade, se trata da perspectiva mais realista possível. Afinal de contas, os desencontros, o passado (pessoal ou histórico) que nos assombra, a omissão ante a miséria do outro ou o ser-para-a-morte que todos somos são aspectos que, na existência, parecem mais regra do que exceção.
Chama a atenção a forma como esses temas são trabalhados em matéria de poesia. Além da forte inclinação à cadência, ao ritmo e à imagem que já se via nos contos de Fábio de Oliveira, os poemas possuem uma distribuição irregular dos versos, de modo a deixá-los dispersos na página. Ora, essa instabilidade gráfica não é gratuita quando lembramos que o poeta está lidando com o que há de mais instável no universo: o Ser. É nesse sentido que a radicalidade formal do título se encontra também nos textos, imbricada com a linha temática que liga um poema ao outro, sem ofuscar a particularidade de cada um.
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Outro aspecto estético inusitado é o fato de quase todos os poemas não possuírem qualquer sinal de pontuação, o que, em alguns casos, deixa a sugestão de mais de uma leitura e reforça o teor existencial do livro. Como nos aponta o texto da orelha, ao leitor fica a tarefa de preencher os vazios entre as palavras, como é incumbido a todos os indivíduos, desde o primeiro dia de vida, o fardo de dar sentido à existência. A propósito, o único poema que possui um sinal de pontuação é o que tem por nome “Vírgula”, texto que se encerra com o sinal homônimo, está no centro do livro e estabelece um contraponto complementar com o título da obra.
“,” surge num pertinente momento da história da humanidade, numa fase de banalização quase que total das relações sob a justificativa fácil e barata de que “assim são os tempos modernos”. O livro faz nos remexermos várias vezes na cadeira, porque inquieta e, sobretudo, mostra que a complexidade da existência – esse “enigma dos olhos abertos”, como diz um dos subtítulos da obra – pode ser mais bem desemaranhada se estivermos todos de mãos dadas, para lembrar aqui o poema de Drummond. Mesmo porque, isolados, em nossa condição de vírgula, de pequenez ante o mundo, mais massacramos (a nós mesmos e ao outro) do que nos protegemos.
Mais detalhes sobre a obra de Fábio de Oliveira podem ser vistos em sua página no facebook (www.facebook.com/escritorfabiodeoliveira?fref=ts) ou em seu blog (fabiodeoliveira1.wordpress.com/). Abaixo, a título de aperitivo, fica um dos poemas do livro.
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A permanência dos insetos
O amor é inseto que rói
perfura perturba
injeta seus venenos dentro
O amor é inseto que sói
não diz quando
nem onde nem como
entra penetra
invade tudo com suas asas e pernas
envenena o sangue a consciência
dispara seus ovos
domina conserva morada
depois vai embora
O amor é inseto que mói
deixa por dentro os buracos
os caminhos de pernas e asas
Os ovos brotam seus sinais
venenos também
de perfurar e invadir
como vontade morada vazia
como líquidos no sangue
de lembranças e saudades coaguladas
O amor é inseto e corrói
*César de Oliveira, é poeta e escritor lagartense, graduado em letras pelas UFS e mestrando em Literatura também pela UFS.
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- Renato Araujo Chagas, graduado em História pela Universidade Federal de Sergipe.
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