domingo, 6 de outubro de 2013
Inúmeros são os estudos voltados para
área política da história do Brasil, muitos foram e são os pesquisadores que voltaram
seus olhares para o fenômeno que ficou conhecido como coronelismo, muitos
esclarecimentos foram alcançados, porém, muitas controvérsias e brechas
surgiram para novos entusiastas que desejarem se aventurar neste campo
heterogêneo e prazeroso da historiografia nacional.
Em um período de grandes mudanças na
sociedade, no final do século XIX, onde emergia um momento de preparação de um
pensamento independente, simbolizado com a emancipação política. Eclodiam
algumas necessidades primordiais, inclusive na política, onde o foco de debates
remontava ao federalismo, a República e a organização municipal. Ou seja, o
coronelismo emergiu sua estrutura em um espaço em que a sociedade brasileira
estava imersa em uma importante transição.
É nesse cenário que tem início o
coronelismo, apresentando-se inteiramente como um fenômeno tipicamente
republicano datado do final do século XIX e início do século XX, porém suas
origens antecedem esse período. Segundo Janotti: “Entretanto, as raízes do
coronelismo já estavam sedimentadas no império e, com a república, o coronel
apenas amplia o seu papel dentro da nova estrutura política (1981, p.8)”. Mesmo
a autora tendo o Império como respaldo inicial do processo, é importante
salientar que essa modificação vigente da época já remontava a uma típica
herança colonial.
Passando por esse processo os coronéis
vão se adaptando ao tempo e ao espaço em que estão inseridos. Leal é enfático a
afirmar:
O Coronelismo
corresponde a uma quadra da evolução de nosso povo. E uma quadra, que, por isso
mesmo, nunca se reproduz ou se repete, só se pode encontrar bem refletida na
velocidade dos instantâneos (2012, p.40).
A afirmação de Leal remonta a
possibilidade do fenômeno não mais existir a partir dos anos 30, período a qual
é implantado o Estado Novo com ascensão de Vargas ao poder, ou seja, para ele o
período é um momento datado da nossa história, o que existe posteriormente são
resquícios que ainda poderiam se perpetuar nas sociedades distantes dos grandes
centros econômicos. Em regiões que se mantêm isoladas sem amparo educacional e
sem contatos com mídia.
Para outros pesquisadores, essa
estrutura política ainda persiste, não mais com os mesmos moldes, mas imbuídos
de uma nova carapuça em plagas mais distantes do país. Segundo Vilaça e
Albuquerque, através de pesquisas realizadas no sertão e agreste pernambucano,
em uma sociedade voltada em sua maioria para a prática agrária, em meio ao
isolamento geográfico fatores primordiais para permanência dessas ações.
Afirmam: “O fenômeno ainda se encontra remanescente, embora sob novas
roupagens, no interior do Nordeste (2006, p.29)”.
Quem corrobora com essa impressão é o
escritor sergipano Ibarê Dantas que se debruça sobre a história do coronelismo
em Itabaiana município de Sergipe e, à luz de seus escritos, é possível
perceber a abrangência de tal dominação política em épocas mais adiantadas, se
adaptando ao meio, assim ele menciona:
Na medida em que o
coronelismo vai moldando-o aos seus interesses, vai também adaptando-se às suas
transformações. É essa medida que pode ser percebida através do resgate de sua
historicidade (1987, p. 18)
Porém com as mudanças políticas,
econômicas, sociais e sobretudo culturais que fomentaram na sociedade um novo
ar de progresso, é evidente que não, mas caberia influência tão impregnada de
chefes políticos com atitudes arcaicas para se manterem no poder. O coronel e
sua pujança em dominar todas as esferas da sociedade, sendo ele o dono das
terras, o advogado, o empresário, responsável pelo atendimento hospitalar, pela
indicação do padre local, enfim do andamento social de um determinado local,
não mais seria aplicável.
No entanto, percebe-se que mesmo diante
de um amplo desenvolvimento social, não é muito difícil presenciar algumas
menções as essas práticas, basta um simples olhar aos nossos arredores que
vislumbramos imagens que nos fazem remeter a tal período. São cidades que são
dominadas por grupos políticos baseados em atitudes nada plausíveis. São jovens que
mesmo com o poder educacional nas mãos, em períodos eleitorais se atrelam a
atitudes infantis e retrogradas baseados em práticas que assolaram o país.
Eleições que remetem a troca do voto por
mercadorias, a troca de favores que perpetuaram em certo momento e ainda
sobrevivem não só em cidades isoladas, mas também nos grandes centros urbanos.
Neste contexto destaca-se o paradoxo dos que se denominam mais esclarecidos que
criticam os menos favorecidos e instruídos por serem influenciados com simples
“mercadorias”, porém, esses seguem o
mesmo caminho em busca de cargos comissionados. Moralmente falando onde estão
as diferenças?
São simples características que foram
presenciadas na República velha e que continuam de diferentes formas
impregnadas nas artérias da sociedade. São resquícios que fazem do fenômeno
Coronelista, um tema a ser debatido, questionado e pesquisado por tantos
intelectuais, como meio de entender como se formou e se propagou e atentando
para sua força, pois mesmo sendo atestado seu fim, suas manifestações respingam
na sociedade atual, abrindo leques de possibilidades para novos entusiastas do
assunto.
Para entender como essa cultura ainda
permeia os corredores de cidades no século XXI é preciso fazer uma viagem ao
passado e perceber como se formou esse processo. Também se faz necessário
compreender que por trás dessa manifestação estava uma sociedade ávida por
liberdade, para aos poucos conquistarem sua cidadania, aliás, ser cidadão nesse
país foi, sem dúvida, uma luta constante na esfera social.
Essa luta já pode ser percebida a partir
do final do século XIX quando a prática do voto deixa de ser do modelo
censitário para a ascensão do sufrágio universal, porém, ainda não atendia
todas as camadas da sociedade. Período que concretizava através do federalismo
o poder aos coronéis no campo municipal, e dos pequenos grupos nos poderes
Estaduais e Federais. Atrelando-se a essa situação, cria-se uma brecha que
impossibilitava o direito ao voto a mulheres e analfabetos que continuavam a
viver à margem da sociedade.
Se a lei proporcionava o direito de
igualdade entre os homens, onde todos nascem iguais, a força das grandes elites
latifundiárias do Brasil fazia sucumbir tais direitos, sendo assim, é evidente
a vontade de tolher ou mesmo eliminar, o direito de cidadania aos menos
favorecidos. Quando de maneira radical e excludente deixavam as mulheres fora
dos pleitos eleitorais, quando nos remetemos à questão da educação, podemos
perceber o paradoxo enfrentado pelas camadas populares, que não eram providas
inicialmente do acesso a escola, logo ao aprendizado, porém era cobrado pela
falta desse requisito para a ação eleitoral.
Percebe-se a evidência através dos fatos
que o surgimento do coronelismo nada mais é que a manutenção de um poder
agrário, envolvido com um poder público restrito a certa parcela da sociedade,
em contrapartida fomentando uma disparidade com as classes inferiores para que
haja uma relação de dominação e afetuosidade, estreitando uma necessidade dos
trabalhadores com os grandes proprietários de terras.
É nesse contexto que Leal desenvolve sua
tese afirmando que:
O “Coronelismo” é
sobretudo um compromisso, uma troca de proveitos entre o poder público,
progressivamente fortalecido, e a decadente influência social dos chefes
locais, notadamente dos senhores de terras. Não é possível, pois compreender o
fenômeno sem referência à nossa estrutura agrária (2012, p.44).
É notável que essa relação de
compromisso apresenta-se como uma característica notável de fragilidade de
ambos os setores, pois eles necessitam da ajuda e influência do outro para se
manterem com seus respectivos acordos e prestígios. No primeiro momento o
privado se sobrepõe, mas posteriormente o coronel perde autonomia e o público
prevalece. Segundo Janotti essa relação ainda é bem maior: “forma-se uma
pirâmide de compromissos recíprocos entre eleitorado, o Coronel, o poder
municipal, o poder estadual e o poder Federal (1981, p.11)”.
O ápice coronelista se deu com a
implantação da política dos governadores que buscou fechar o círculo de
estrutura e de dominação entre as esferas, o chefe local é envolvido em novos e
mais complexos compromissos. Porém, para a manutenção e consequentemente
sobrevivências de tais práticas o sistema tinha uma base de sustentação.
Percebe-se que apesar das classes mais
inferiores não constituírem uma cidadania política tão pouco social, mas foi
através desse percalço que se gerou debates sobre autores em relação à
importância do voto para manutenção e apogeu do Coronel em seus domínios.
Para Leal, autor de um dos maiores
clássicos sobre o assunto: “Coronelismo Enxada e Voto”, a base de sustentação
para a manutenção do sistema seria o voto, porém o mesmo Leal ao produzir sua
obra, tem como fonte principal de dados um censo realizado na primeira metade
do século XX, mas precisamente em 1940, na qual demonstra uma grande parcela da
sociedade, vivendo no campo sem contato com as letras, ou seja, analfabetos, logo
destituídos do direito ao voto.
O coronelismo era além de qualquer
compromisso, um limitador da cidadania, sendo assim a supervalorização do voto
atribuída por Leal não poderia ser tida como fator de suma importância. É nesse
panorama que Dantas enfoca em seu trabalho o poder da milícia como detentora do
estabelecimento do poder dos Coronéis.
Assim ele afirma:
Se num primeiro
momento o coronelismo se fundamenta no controle das massas e na legitimação da
sociedade política, a partir da força de sua milícia particular, num segundo
momento, quando sua força coercitiva se torna desgastada, passa a explorar seu
prestígio construído através de uma tradição de mando. Somente em numa terceira
fase o voto passa a ter papel primordial dentro do coronelismo (DANTAS: 1987,
p.16).
Percebe-se que o voto não foi o fator
decisivo que elevaria o domínio dos chefes de terras, porém para Ibarê o que se
apresenta é um tripé econômico social, dos grandes latifundiários que se
utilizamdo poder estabelecido para suscitarem suas ordens, estabelecendo uma
relação de dominação, produção não capitalista e traços de uma exploração. A
esses fatores pode-se perceber nessa relação, atitude solidária que
possibilitam as classes trabalhadoras se sentirem na obrigação de manter fidelidade
ao Coronel.
Porém, se não é de grande relevância o
voto para a manutenção coronelista, o mesmo não se pode dizer em relação a sua
importância como ponte para o aparato de construção cidadã, em um momento em
que buscavam cassar a consciência da sociedade com referência aos seus direitos
políticos. Ou seja, a luta pela cidadania encontrou ao longo da história e no
caso estudado nesse momento da República Velha, barreiras quase intransponíveis e muitas das vezes levando as
camadas populares ao ostracismo político e social.
Outra
característica que deve ser ressaltada como barreira para a construção e
afloramento da cidadania Nacional foi o clientelismo, prática constante na
República Velha. Porém, seus resquícios podem ser percebidos na sociedade
atual, onde os cargos e empregos públicos são destinados por trocas de favores. Deve-se perceber que o domínio das ocupações
públicas por parte dos Coronéis serve de esteio para o fortalecimento do seu
poder na sociedade. Ou seja, com esse prestígio é mantido a relação de domínios
para com os seus.
O Clientelismo uma característica que
afronta a cidadania e que apesar das transformações que a sociedade e as
instituições brasileiras sofreram durante o século, ainda se perpetuam de
outras maneiras, estando elas culturalmente enraizadas perante a ordem vigente.
Entre elas: o mandonismo que surge antes mesmo do Coronelismo, e perpassa o
período Republicano. O filhotismo de outrora que hoje surge com um nova
roupagem, denominado de nepotismo que mesmo proibido por lei , não é muito
difícil encontrar tais ações em cargos públicos do país.
E não bastassem tantos resquícios, as
desorganizações dos serviços de atendimento ao público continuam deixando a
desejar corroborando com imagens decorrentes de um período não muito distante..
O coronelismo, como afirmou Leal e tantos outros pesquisadores, realmente como
fenômeno teve seu fim decretado pelos idos dos anos 30, porém, qualquer cidadão
que atentar-se ao seu redor perceberá como algumas práticas ainda se fazem
presentes.
É alarmante perceber que apesar da luta
de tantos homens e mulheres por um lugar ao sol, pessoas que a custa de muito
suor e sofrimento buscaram construir a necessidade de ser cidadão de fato e de
direito, direito o qual constituído por lei na constituição, se veem com seus
direitos descumpridos e corrompidos por líderes políticos, do nosso famigerado
pleito eleitoral.
Muitas mudanças foram realizadas ao
longo da história, muitas barreiras foram quebradas pela busca da cidadania não
apenas política, mas também social. Muitos caminhos já foram percorridos,
ganhos, perdas fizeram parte dessa trajetória, porém se em meio a momentos
nefastos da nossa política, houve uma esperança de contestação que levou
mudanças ao aparato social, essa esperança tornou-se uma luta incessante para
que conquistas fossem alcançadas, no entanto, ainda existe muito por fazer.
Diante das fontes disponíveis,
percebe-se o quanto o coronelismo suscitou debates, grandes pesquisadores se
debruçaram sobre o tema, uns em esfera Nacional, outros de maneira regional,
com tudo é importante frisar que existem muitas lacunas a serem preenchidas, e
caberá aos novos entusiastas a alcunha de adentrarem nas veredas da inesgotável
história política do Brasil.
Portanto, se a constituição apresenta
que todos os homens são iguais e livres, é preciso fazer um novo percurso, não
mais com resquícios de uma sociedade que viveu na pele o autoritarismo das
elites, que através de seus poderios em sociedade inseridas nos exílios
geográficos, viram seus direitos sucumbirem diante dos donos do poder, mas, com
novos pensamentos e atitudes.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS:
DANTAS, José Ibarê costa. Coronelismo e dominação. Aracaju:
Programa Editorial da UFS, 1987.
JANNOTTI, Maria de Lourdes
M. O coronelismo: uma política de
compromissos. Editora Brasiliense: São Paulo, 1981.
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo enxada e voto: o município
e o regime representativo no Brasil. 7ª Ed. São Paulo: Companhia da Letras,
2012.
MODESTO, Alailson Pereira.;
MONTEIRO, Patrícia dos S.S.; SANTOS, Raylane do Nascimento. Uma cidade em pé de guerra: Saramandaia
x Bole-Bole. Organização: Claudefranklin Monteiro Santos. Aracaju: Gráfica J.
Andrade, 2008.
VILAÇA, Marcos Vinicios;
ALBUQUERQUE, Roberto Cavalcanti de. Coronel,
coronéis:apogeu e declínio do coronelismo no Nordeste.5ªed. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2006.
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- Renato Araujo
- Renato Araujo Chagas, graduado em História pela Universidade Federal de Sergipe.
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1 comentários:
Sem grandes esforços, são realmente perceptíveis as reminiscências dessas práticas em praticamente todos "pequenos" municípios que viveram esse período e o carregam até hoje, ainda com certa força.
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