segunda-feira, 30 de julho de 2018
Sheslyn Gustava*

Em uma época carregada de fortes estereótipos sociais, normas, misérias, crises, sejam essas políticas ou econômicas, onde violência e desigualdade se faziam presentes em sua forma brutalmente crua e explicita como companheiras rotineiras e reguladoras comportamentais, principalmente no que se diz respeito à camada feminina da população, esta, tão desvalorizada e subjugada por todos, sendo meramente resumidas a objetos sexuais de seus maridos, escravas de seus próprios lares, e sem uma voz ativa para com suas próprias vidas, surge então um novo elemento causador de repugnância para alguns e em contrapartida, admiração e esperança de uma nova vida para outras: a mulher cangaceira.

Os integrantes do movimento do cangaço desde o seu surgimento até seus últimos anos, foram representados como “bandidos sociais” trazendo consigo os papeis de justiceiro e vingador, agindo contra o coronelismo e injustiça, causando a divisão de opiniões populares sobre a verdadeira natureza de seus atos, no entanto, na maioria das vezes a figura da mulher é esquecida pela mídia dentro dessa comunidade nômade, cuja mesma permitiu sua entrada a partir de Maria Gomes de Oliveira, mais conhecida como Maria Bonita, uma mulher divorciada que decidiu por conta própria abandonar a estabilidade com a família para estar ao lado de Lampião, causando assim uma quebra da tradição e a iniciativa de uma nova alternativa de vida dentro do grupo.

Em uma sociedade patriarcal cujos preceitos e divisões de papeis eram muito específicos e limitados para as mulheres, a entrada das mesmas em um movimento que já era tido como uma afronta contra a ordem imposta, acabou se mostrando um ato de resistência a diversos padrões de gênero.

Muitas cangaceiras aprendiam a ler e escrever dentro da comunidade, coisa pouco comum na época, além de conseguirem uma maior autonomia, pois elas não eram tidas apenas como companheiras, mas também membros ativos nas atividades do grupo, como o exemplo de Maria Bonita, cuja função era de orientadora das novatas e lhes mostrava como funcionavam as regras presentes naquele meio. Outro ponto dessa autonomia estava presente na liberdade que elas possuíam para se reunirem entre si para poderem conversar, dançar, se pintar, se pentear, bordar e discutir sobre a vida.
No entanto, nem todas as cangaceiras presentes estavam ali por escolha pessoal, havia aquelas que foram raptadas de suas casas, algumas com menos de 15 anos. Além disso, outras violências aconteciam, como violência sexual após o rapto de mulheres, assassinatos de cangaceiras por seus companheiros e amantes quando as mesmas eram acusadas de adultério, tudo em nome dos códigos morais instituídos por Lampião, bem como outras violências, muitas vezes físicas vindas de seus companheiros. Nesses atos de violência contra as mulheres, é possível perceber que até o contexto do cangaço não estava de todo isento dos pensamentos e atitudes machistas, como reflexo da própria época a qual eles vivenciavam.

Em controvérsia a esse lado sombrio do bando, o cotidiano delas possuía elementos que representavam como uma viável alternativa para o papel das mesmas. As cangaceiras utilizavam boas vestimentas como os tradicionais vestidos que iam até o joelho, altura incomum para a época, não eram obrigadas a cuidar dos filhos, e vivenciavam uma maior divisão de tarefas, levando todos a saberem cozinhar e lavar suas roupas. Entretanto, algumas atividades ainda remetiam a sua vinculação com o papel tradicionalmente feminino, como borda e costura, ficando muitas vezes responsáveis em estabelecer a identidade visual do grupo.

Com relação ao tópico do combate, às mulheres normalmente eram afastadas de confrontos diretos e emboscadas. Dessa maneira, sua função não era semelhante a de um soldado ou guerreira. Mas, apesar disso, todas sabiam atirar e carregavam pequenas armas para defesa.
Além disso, elas também enfrentavam as dificuldades da vida do cangaço, pois nem sempre era possível se ter acesso a comida devido ao perigo de serem descobertas pelos policiais, dormiam no chão, tinham suas famílias presas e ameaçadas, bem como de terem seus filhos enviados para outras pessoas. No entanto, muitas já declararam que não pensavam em sair do grupo quando estavam imersas no movimento, pois, apesar das dificuldades, aquela era uma vida possível para elas.

Assim, é possível dizer que a relação entre mulheres e cangaço, na maioria das vezes é repleta de controvérsias e conflitos. Enquanto que por um lado da moeda, o grupo abria portas para a o rompimento dos papeis de gênero e a resistência feminina, por outro muitas vezes elas eram vítimas de violência e não tinham o livre arbítrio de poderem sair do movimento, além de que às vezes elas nem desejavam estar ali. Mas, apesar dos pesares, é impossível não reconhecer a importância da sua participação no movimento, simbolizando resistência, força e novas formas de pensar para os limites impostos as mulheres nordestinas da época, assumindo um espaço que até aquela época não era vista como possível.

Sheslyn Gustava, é aluna do 3º ano do Colégio José Augusto Vieira (CJAV).

2 comentários:

Unknown disse...

Muito bom!

Unknown disse...

Parabéns,o seu futuro será promissor.Xero